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Os juízes do Pleno do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina mantiveram, em sessão realizada na tarde da quinta-feira (19), a decisão do Juiz Eleitoral de Anita Garibaldi que indeferiu o pedido de registro de candidatura ao cargo de vereador a Rodrigo Gehrke, por ausência de desincompatibilização.
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Segundo a decisão do juiz eleitoral da 52ª Zona Eleitoral, Rodrigo não poderá concorrer ao cargo de vereador no pleito de 2024, por conter nos autos, que mesmo ter sido desincompatibilizado em tempo hábil e formalmente, ainda agiu como se fosse um Secretário Municipal.
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JULGAMENTO:
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TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SANTA CATARINA
RECURSO ELEITORAL (11548) N. 0600275-23.2024.6.24.0052 – ANITA GARIBALDI – SANTA CATARINA
RELATOR DESIGNADO: JUIZ CARLOS ALBERTO CIVINSKI
RECORRENTE: RODRIGO GEHRKE
ADVOGADO: VINICIUS DEMARCHI JUVENCIO – OAB/SC44981
ADVOGADO: MARLON CHARLES BERTOL – OAB/SC10693-A
ADVOGADO: LUCAS PAGNO BORGES – OAB/SC56669
ELEIÇÕES 2024 – RECURSO ELEITORAL – REGISTRO DE CANDIDATURA – INELEGIBILIDADE – ART. 1º, III, “B”, 4, C/C VII, “B”, DA LC 64/1990 – REGISTRO INDEFERIDO NA ORIGEM.
– DESINCOMPATIBILIZAÇÃO MERAMENTE FORMAL DO CARGO DE SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE – ELEMENTOS PROBATÓRIOS REVELANDO O EXERCÍCIO DE FATO DA FUNÇÕES PÚBLICAS NO PERÍODO VEDADO POR LEI – MANIFESTAÇÃO NA CÂMARA DE VEREADORES E ATENDIMENTO DE SOLICITAÇÃO DE MUNÍCIPE CARACTERIZANDO O DESEMPENHO DE ATRIBUIÇÕES TÍPICAS DE SECRETÁRIO MUNICIPAL – INOBSERVÂNCIA DO PRAZO DE DESINCOMPATIBILIZAÇÃO – ÓBICE À ELEGIBILIDADE – DESPROVIMENTO.
De acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, “a exigência legal de desincompatibilização de cargo, emprego ou função pública para concorrer à de cargo eletivo busca assegurar a um só tempo o equilíbrio entre os candidatos na disputa eleitoral, e também preservar a normalidade no exercício das funções públicas por aqueles que as exercem de forma efetiva, comissionada ou temporária, ao mesmo tempo em que almejam desempenhar atividade política” [TSE, REspe 14142, Rel. Min. Herman Benjamin. DJE de 23.05.2018].
A existência de indícios e provas que, examinados em conjunto, revelam o exercício de fato do cargo público no período de afastamento exigido por lei torna impositivo o indeferimento do pedido de registro de candidatura.
ACORDAM OS Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, à unanimidade, conhecer do recurso e, no mérito, por maioria – vencido o Relator e o Juiz Sergio Francisco Carlos Graziano Sobrinho -, a ele negar provimento, nos termos do voto do Relator designado, Juiz Carlos Alberto Civinski.
Florianópolis, 19 de setembro de 2024.
JUIZ CARLOS ALBERTO CIVINSKI, RELATOR DESIGNADO
RELATÓRIO
Trata-se de recurso interposto por RODRIGO GEHRKE em face da decisão proferida pelo Juízo da 52ª Zona Eleitoral – Anita Garibaldi, que indeferiu seu pedido de registro de candidatura ao cargo de vereador naquele município .
A sentença proferida possui o seguinte teor:
O pedido de registro de candidatura deve estar em conformidade com os requisitos constitucionais e infraconstitucionais. A incidência de uma das causas de inelegibilidade da LC 64/90 afasta a capacidade eleitoral passiva do cidadão.
No caso em tela, a questão cinge-se ao art. 1º, inciso III, alínea ‘b’ 4, e também ao inciso VII, alínea ‘b’, ambos previstos na Lei Complementar 64/90:
Art. 1º São inelegíveis: […]
III) b) até 6 (seis) meses depois de afastados definitivamente de seus cargos ou funções:
(… )
VII – para a Câmara Municipal:
(…)
Em sua manifestação, o Ministério Público Eleitoral discorre que o candidato RODRIGO GEHRKE não se desincompatibilizou de fato do cargo de Secretário Municipal de Saúde exercido junto ao poder público municipal de Anita Garibaldi, apresentando fotografias, documentos e áudios de WhatsApp, datados de momento posterior a data de exoneração do cargo que o candidato exercia, indicando que o candidato, mesmo que afastado formalmente do cargo, continuava exercendo informalmente as atribuições do cargo.
Vejamos o cargo e seu prazo:
O candidato foi afastado da função pública de Secretário Municipal de Saúde em 28/03/2024, conforme Portaria 243/2024, afastando-se formalmente da função pública nos 06 (seis) meses anteriores ao pleito de 2024 (ID 123141191).
Contudo, há prova contundente nos autos que demonstram que o candidato Rodrigo, mesmo que investido em função diversa (Vigilante Ambiental), continuou tomando decisões inerentes ao Cargo de Secretário de Saúde, conjuntamente com nova secretária nomeada, Sra. Rosane Elizangela Ribeiro (Portaria 252/2024 – ID 123141191), aliás, sua esposa/companheira, conforme informado nos autos.
As imagens, áudios e documento apresentados pelo Ministério Público Eleitoral, demonstram que, de fato, Rodrigo participou de cerimônias e tomou decisões que não tem nenhuma vinculação e extrapolam as atribuições da nova função exercida (Vigilante Ambiental), mesmo que subordinada à Secretaria Municipal de Saúde.
Neste tocante, as alegações defensivas e os documentos apresentados pelo candidato (ID 123141187), não tem o condão de afastar a conduta atribuída ao candidato.
Desse modo, razão assiste ao Ministério Público Eleitoral, cuja manifestação de ID 123105206 acolho como razões de decidir.
Nesse sentido, já decidiu o Tribunal Superior:
ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. SECRETÁRIO ADJUNTO. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. INOBSERVÂNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 24 DO TSE. DESPROVIMENTO.
Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060025489, Acórdão, Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, 20/10/2021.
“Eleições 2020 […] Desincompatibilização. Afastamento do cargo de secretária municipal de saúde. Posse subsequente no cargo de secretária adjunta municipal de saúde. Aparência de desincompatibilização. […] a permanência da candidata no mesmo núcleo funcional a que pertencia antes de desincompatibilizar–se, passando de Secretária Municipal à Secretária Adjunta de Saúde, denota que o ato se deu apenas formalmente, violando a igualdade de condições em relação aos demais candidatos. […]” (Ac. de 16.12.2021 nos ED-REspEl nº 060016566, rel. Min. Edson Fachin.)
“Eleições 2020 […] Ausência de desincompatibilização de fato. Cargo público. Secretário municipal. Causa de inelegibilidade. Art. 1º, III, b, item 4, c/c o art. 1º, IV, a, e VII, b, da LC nº 64/1990. […] 5. A desincompatibilização prevista no art. 1º, III, b, item 4, da LC nº 64/1990 ‘(…) exige do candidato, além do afastamento formal, o afastamento de fato das funções de Secretários da Administração Municipal ou membros de órgãos congêneres’ […].” (Ac. de 26.8.2021 no AgR-REspEl nº 060030652, rel. Min. Mauro Campbell Marques.)
“Eleições 2016 […] Cargo. Vereador. Desincompatibilização. Cargo de secretário municipal de saúde. Necessidade de afastamento pelo prazo de 6 (seis) meses antes do pleito. Art. 1º, III, b , item ‘4’, da LC nº 64/90. Afastamento de fato. Não ocorrência. […] 2. A desincompatibilização prevista no art. 1º, III, b , item ‘4’, da Lei Complementar nº 64/90 exige do candidato, além do afastamento formal, o afastamento de fato das funções de Secretários da Administração Municipal ou membros de órgãos congêneres. 3. In casu , o Tribunal de origem assentou que, embora o Agravante tenha requerido formalmente a desincompatibilização no prazo determinado em lei, na prática, continuou atuando na função de Secretário Municipal de Saúde, com a participação em congresso de Secretarias de Saúde […]”. (Ac. de 25.5.2017 no AgR-REspe nº 5946, rel. Min. Luiz Fux.)
Assim, verificada a situação de inelegibilidade decorrente da não desincompatibilização de fato do Cargo de Secretário Municipal de Saúde de Anita Garibaldi, é o caso de indeferimento do registro de candidatura postulado.
Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de registro de candidatura de RODRIGO GEHRKE para concorrer ao cargo de Vereador, sob o nº 22222, pelo Partido Liberal – PL, no Município de Anita Garibaldi/SC.
O recorrente alega, em síntese, que:
Requer, ao final, o provimento do recurso, a fim de que seja deferido o seu registro de candidatura.
A Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO VENCEDOR
O SENHOR JUIZ CARLOS ALBERTO CIVINSKI (RELATOR DESIGNADO): 1. Senhores Juízes, após ouvir atentamente o judicioso voto proferido pelo Juiz Sebastião Ogê Muniz, em face do qual nutro extrema admiração, dele ouso divergir, pelas razões que passo a expor.
Diversamente do nobre colega, formei a convicção da existência nos autos de indícios e provas que, examinados em conjunto, revelam o exercício de fato pelo Recorrente do cargo de Secretário Municipal da Saúde durante o período de afastamento de 06 (seis) meses antes do pleito exigido para o deferimento da candidatura (Lei Complementar 64/1990, art. art. 1º, III, “b”, 4 c/c VIII, “b”).
De início, destaco o registro constante da ata da Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Anita Garibaldi, realizada em 28/05/2024, com este teor (ID 19268961 – fl. 03):
Em seguida, como se fazia presente a secretária municipal de saúde, Rosane Ribeiro, acompanhada do ex-secretário Rodrigo Gehrke, foi concedido espaço para os mesmo esclarecerem alguns questionamentos dos vereadores, que a população anseia sejam corrigidos naquela Unidade de Saúde. Tanto a secretária, como o ex-secretário, acima nominados, prestaram esclarecimentos quanto à dinâmica na aquisição de medicamentos da farmácia popular. Concluindo, os vereadores afirmaram esperar que sejam corrigidos os procedimentos licitatórios, com o objetivo de disponibilizar os medicamentos aos munícipes. Nada mais havendo a tratar, o presidente agradeceu a presença de todos, convocando a próxima sessão para o dia quatro de junho do corrente exercício, às dezenove horas, declarando encerrada a presente.
A manifestação do Recorrente foi gravada e juntada aos autos, tendo o Ministério Público Eleitoral destacado o seguinte trecho:
O nosso município fornece através da farmácia básica, porque nós não temos farmácia popular, a gente está batalhando, entrei numa batalha contra o Ministério da Saúde, com as farmácias aqui do município, a gente está aguardando uma resposta. Provavelmente, acredito que este ano, isso se organize.
Como visto, a participação do Recorrente na reunião legislativa não foi a de mero espectador. Os registros em áudios demonstram intervenção ativa e contundente na prestação de informações sobre problemas enfrentados pela Secretária Municipal de Saúde, com a indicação de medidas administrativas que foram adotadas e seriam futuramente implementadas para solucionar a questão, revelando a prática de típica atividade desempenhada por servidor público no desempenho de cargo de gestão.
De acordo com a Lei Municipal 1489/2002, que dispõe sobre a organização da Administração Pública do Município de Anita Garibaldi, “no exercício de suas atribuições, cabe aos Secretários de Município receber reclamações relativas à prestação de serviços públicos, decidir e prover as correções exigidas, no âmbito de sua competência (art. 3º, III).
Logo, ao se dispor a tomar conhecimento de problemas relatados por vereadores relativos a serviços municipais oferecidos à população local na área da saúde e apontar as possíveis soluções, o Recorrente estava no desempenho de atividade funcional de Secretário Municipal prevista na referida lei municipal.
Aliás, é da natureza própria dos cargos de confiança de auxílio direto e imediato do Chefe do Poder Executivo, a exemplo de Secretário Municipal, Secretário de Estado e Ministro de Estado, a participação em reuniões das Casas Legislativas para prestar esclarecimentos a respeito de temas afetos à gestão de recursos públicos em suas respectivas áreas, como fez o Recorrente.
No ponto é preciso atentar para o fato de que a fala do Recorrente sobre fatos diretamente relacionados com o exercício da função de Secretário Municipal não foi imposta em decorrência de convocação da Câmara Municipal, tampouco de ordem judicial.
Ao revés, a sua atuação deu-se por livre e espontânea vontade.
Vale dizer, o Recorrente tinha motivo idôneo para se negar a falar justamente pelo fato de ser obrigado a se afastar do exercício do cargo público para concorrer ao pleito. Bastava invocar essa justificativa para ficar em silêncio, mas não o fez. Preferiu ocupar deliberadamente o espaço concedido pela câmara municipal para agir como se fosse o titular da Secretaria Municipal de Saúde.
Mais grave, a reunião não tinha caráter privado, sendo aberta ao público em geral.
Nesse contexto, resta evidente a ausência de circunstância intransponível que tornava a intervenção do Recorrente impositiva e inafastável e, por conseguinte, apta a eximir a sua conduta.
Devo ressaltar que o comportamento do Recorrente em muito difere de outra situação examinada em processo de minha relatoria, na qual a candidata, no período de afastamento exigido por lei, participou de reunião do conselho municipal no qual exercia função pública como mera ouvinte, sem fazer qualquer manifestação ou intervenção, motivo pelo qual teve o registro deferido [TRE/SC, RE 0600101-81.2024.6.24.0062, julgado em 12/09/2024].
Não fosse isso, somam-se a esse fato, ainda, outras circunstâncias extraídas da prova dos autos denunciativas de que o Recorrente permaneceu desempenhando atividades ligadas à Secretaria Municipal de Saúde.
De início, temos a nomeação da companheira/namorada do Recorrente, em 01º/04/2024, para exercer a função de Secretário Municipal em seu lugar. Relação pessoal essa que não foi em nenhum momento negada pela defesa.
Ato contínuo, a realização, em 04/04/2024 – três dias após a exoneração do Recorrente -, de Chamada Pública pela nova Secretária Municipal destinada ao provimento de vaga temporária de “vigilante ambiental” a ser exercida no âmbito da estrutura administrativa daquela mesma Secretaria, para a qual restou aprovado o Recorrente, por ser candidatura única.
Seria ilação inocente e totalmente dissociada da realidade admitir que o Recorrente, após ocupar o mais alto cargo de direção da Secretaria Municipal de Saúde, optasse por ser nomeado para outra função da estrutura administrativa em que permanecesse apenas trabalhando no combate ao controle do Mosquito da Dengue.
A intenção do Recorrente, ao meu sentir, era evidente: permanecer próximo do núcleo de poder e das atribuições públicas das quais deveria ter se afastado, mesmo após a sua exoneração.
Além disso, também há a apresentação de fotos atestando a participação ativa do Recorrente em encontro de servidores municipais da saúde da região, realizado em 29/06/2024, o qual não guardava qualquer relação com a função pública que então exercia de “vigilante ambiental”.
Por fim, a juntada de áudio registrando conversa telefônica do Recorrente durante o período de desincompatibilização, na qual trata de assunto diretamente relacionado às atividades funcionais da Secretaria Municipal de Saúde.
Com efeito, a gravação deste diálogo, em 03/07/2024, revela que o Recorrente, ao ouvir o relato de Marlecy Aparecida Vieira acerca da dificuldade de ter acesso ao remédio que necessitava, informou que “então 14h eu já vou pedir pra um motorista passar lá pegar”, demonstrando que continuava dando ordens aos servidores da Secretaria de Saúde.
O teor da conversa – em especial a menção ao horário – é suficiente para, por si só, refutar a verossimilhança da alegação de defesa de que, na verdade, o Recorrente teria se limitado a informar que não era mais secretário e, por isso, iria repassar o recado à atual Secretária, sua namorada, especialmente porque nenhuma prova desse diálogo veio aos autos.
Em conclusão, o exame em conjunto das provas e dos indícios amealhados pelo Ministério Público Eleitoral levam a conclusão lógica e segura de que o Recorrente, pessoalmente ou por meio de sua namorada, permaneceu exercendo, ainda que de forma dissimulada, funções relacionadas ao cargo de Secretário Municipal de Saúde, com o evidente intuito de burlar a regra que visa a preservar a isonomia da disputa eleitoral.
Não tenho dúvidas de que a sua desincompatibilização ocorreu somente no plano jurídico, tendo havido a continuidade do exercício de fato das atividades concernentes ao cargo público que ocupava.
No ponto, oportuno lembrar que a ratio essendi do instituto da desincompatibilização “reside na tentativa de coibir – ou, ao menos, amainar – que os pretensos candidatos valham–se da máquina administrativa em benefício próprio, circunstância que, simultaneamente, macularia os princípios fundamentais reitores da Administração Pública, vulneraria a igualdade de chances entre os players da competição eleitoral e amesquinharia a higidez e a lisura das eleições” (TSE, AgR–REspe 46–71, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 7.12.2017).
Ou, ainda, “a exigência legal de desincompatibilização de cargo, emprego ou função pública para concorrer à de cargo eletivo busca assegurar a um só tempo o equilíbrio entre os candidatos na disputa eleitoral, e também preservar a normalidade no exercício das funções públicas por aqueles que as exercem de forma efetiva, comissionada ou temporária, ao mesmo tempo em que almejam desempenhar atividade política” [TSE, REspe 14142, Rel. Min. Herman Benjamin. DJE de 23.05.2018].
Esses bens jurídicos protegidos pela norma restaram violados no caso dos autos.
VOTO VENCIDO
O SENHOR JUIZ SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ (Relator): Senhora Presidente, o recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade.
Dele conheço.
Rodrigo Gehrke, recorrente, busca a reforma da sentença que indeferiu o registro de sua candidatura ao cargo de vereador, em Anita Garibaldi, pelo Partido Liberal (PL), ao entendimento de que, embora de direito ele haja se desincompatibilizado dos cargos públicos que ocupou, de fato isso não teria ocorrido.
Disso decorreria sua inelegibilidade.
Vejamos.
Aos 25/03/2024 o Prefeito Municipal de Anita Garibaldi, João Cidinei da Silva, exonerou Rodrigo Gehrke do cargo em comissão de Secretário de Saúde, a partir de 28/03/2024 (Portaria nº 243/2024).
Do ponto de vista formal, portanto, está atendida a norma que exige, quanto aos Secretários de Saúde, que a desincompatibilização ocorra até 6 (seis) meses antes das eleições, que se realizarão em 06/10/2024.
Todavia, no dia 08/04/2024 Rodrigo Gehrke foi admitido para ocupar, como servidor público não efetivo, o cargo de Vigilante Ambiental, do qual ele foi dispensado, a pedido, a partir de 30/06/2024 (Portaria nº 515/2024).
Do ponto de vista formal, portanto, está atendida a norma que exige, quanto aos servidores públicos em geral, que a desincompatibilização ocorra até 3 (três) meses antes das eleições, que se realização em 06/10/2024.
O problema recai, portanto, na alegação de que Rodrigo Gehrke teria exercido, de fato, o cargo de Secretário Municipal da Saúde, após sua exoneração e já no período posterior à data-limite para sua desincompatibilização.
Vejamos.
No dia 28/05/2024, Ricardo Gehrke compareceu à sessão da Câmara Municipal de Vereadores de Anita Garibaldi.
A ata da sessão daquela Casa, naquela data, assim registra esse comparecimento:
Em seguida, como se fazia presente a secretária municipal de saúde, Rosane Ribeiro, acompanhada do ex-secretário Rodrigo Gehrke, foi concedido espaço para os mesmos esclarecerem alguns questionamentos dos vereadores, que a população anseia que sejam corrigidos naquela Unidade de Saúde. Tanto a secretária, como o ex-secretário, acima nominados, prestaram esclarecimentos quanto à dinâmica na aquisição de medicamentos da farmácia popular.
Como visto, a ata em apreço comprova o comparecimento de Rodrigo Gehrke à sessão da Câmara Municipal de Vereadores de Anita Garibaldi, na qualidade de ex-secretário de saúde daquele município, apenas para prestar esclarecimentos.
Esse registro não pode, a meu sentir, ser interpretado como prova do exercício de fato do cargo de secretário, após sua exoneração.
A circunstância de ele ter comparecido na companhia da nova secretária de saúde não altera esse quadro.
No dia 29/06/2024, Ricardo Gehrke compareceu ao primeiro Seminário de Condutores da Saúde, promovido pelo Consórcio Interfederativo de Saúde da Região da Amures – CISAMURES, realizado em Lages.
Foram acostadas aos autos diversas fotos comprovando sua participação naquele evento.
Não há provas, porém, de que sua participação tenha sido feita no exercício de fato do cargo em comissão de secretário municipal da saúde.
Seu comparecimento àquele evento, quando ele ainda ocupava o cargo de Vigilante Ambiental, do qual seria dispensado no dia seguinte (30/06/2024), por si só não significa que ele estaria, de fato, no exercício do cargo de secretário municipal de saúde, especialmente se a secretária que o sucedeu também estava presente.
Por fim, passo a apreciar o trecho da impugnação ao registro da candidatura do recorrente que se reporta a mensagens de WhatsApp que indicariam o exercício de fato do cargo de secretário municipal de saúde, por parte dele, após sua desincompatibilização daquele cargo.
Segundo a aludida impugnação, tais mensagens teriam chegado ao Ministério Público Federal por meio de representação que foi entregue à sua Ouvidoria.
O trecho da impugnação que aborda a quaestio tem o seguinte teor:
Não bastasse, a representação recebida aponta que o pretenso candidato continuou “enviando mensagens de Whatsapp para pacientes, organizando viagens para consultas e exames e retirada de remédios na cidade de Lages”.
Nesse contexto, aportaram áudios, vinculados às telas de Whatsapp também remetidas a este Órgão (cujas datas, como se pode ver, são posteriores a 6-4-2024) e ora anexadas, que confirmaram o aludido relato constante da representação.
Colhe-se que Rodrigo enviou áudios para paciente comprometendo-se a enviar motorista para apanhar medicamentos:
Rodrigo: “Isso, isso mesmo. Lá no Dr. Yuri. Não vamos fazer confusão dessa vez. Vamos direto lá. Pode dizer para ela deixar lá no Dr. Yuri que inclusive já to conversando com o motorista aqui e ele passa lá pegar”.
Rodrigo: “Então pode ser. Deixamos dessa forma para nós não misturar. Então 14h eu já vou pedir pra um motorista passar lá pegar”.
Em continuidade à conversa, a paciente encaminhou, possivelmente ao motorista da Saúde designado por Rodrigo, os seguinte áudios:
Paciente: “Derci, a minha filha comprou um medicamente do Reno, será que se eu deixasse lá no Dr. Yuri amanhã você não pegava para mim, ou até sexta-feira você não me trazia esse remédio? Daí eu mandava ela deixar lá no Dr. Yuri, no consultório […]”.
Paciente: Derci, o problema é que eu já conversei com o Rodrigo da Saúde. Daí ficou acertado no Dr. Yuri. Eu já comuniquei até a secretária que o medicamente vai ficar aí e que vocês vão passar pegar […]”.
Paciente: Mas eu já falei com o Rodrigo, da Saúde, ele disse que ia entrar em contato com você. Ali no Dr. Yuri. Ficou acertado para pegar no Dr. Yuri depois das 14h”.
O recorrente não impugna a autenticidade dessas mensagens, nem seus teores.
A meu sentir, porém, caso secundados por outros elementos de prova, robustos e concretos, os áudios em questão poderiam até ser indiciários de eventuais condutas inadequadas.
No entanto, por si só eles não servem para comprovar, acima de qualquer dúvida razoável, que o recorrente estaria de fato exercendo o cargo de secretário municipal de saúde, ou qualquer outro cargo público, já dentro do período em que isso acarretaria sua inelegibilidade.
Consigno que a principal missão de um secretário de saúde é a de promover ações que possibilitem a execução das políticas estabelecidas nessa área de atuação do poder executivo.
Em face do exposto, impõe-se a reforma da sentença.
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso, para reformar a sentença e deferir o registro da candidatura de RODRIGO GEHRKE ao cargo de vereador, no Município de Anita Garibaldi, pelo Partido Liberal (PL), com o número 22222 e com o nome de urna RODRIGO DA SAÚDE.
É como voto.
VOTO DIVERGENTE
O SENHOR JUIZ OTÁVIO JOSÉ MINATTO:
Senhora Presidente, após o percuciente voto do relator, peço vênia a Sua Excelência para, pontuando especificidades do caso em tela, respeitosamente divergir.
Examinando os autos, verifico que o recorrente RODRIGO GEHRKE se desincumbiu dos formalismos que são exigidos para deixar o cargo de Secretário da Saúde a tempo e modo adequados (no mínimo 6 meses antes do pleito), pois consta no processo o ato administrativo referente à sua exoneração a partir de 28/3/2024, tendo sido nomeada para ocupar a titularidade da pasta, em 1º/4/2024, sua companheira/namorada, Rosane Elizandra Ribeiro.
Todavia, em matéria de desincompatibilização, nem sempre as formalidades são suficientes para demonstrar o afastamento de fato da funções ou cargos públicos exercidos, que é o objetivo específico da norma, uma vez que se pretende mitigar ou mesmo impedir o uso da máquina pública para, antecipadamente, desequilibrar a disputa.
Neste sentido, menciono a definição deste instituto a partir da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, verbis:
“Eleições 2020 […] 2. O instituto da desincompatibilização de cargos públicos, disciplinado na LC nº 64/90, tem por escopo assegurar a paridade das armas entre os candidatos, de forma a se garantirem a normalidade e a legitimidade do pleito. […]” – grifo nosso
(Ac. de 6.5.2021 no AgR-REspEl nº 060013315, rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto.)
Claro que, diante do documento que formalmente demonstra a desincompatibilização formal, cabe a quem alega provar a inexistência do afastamento de fato.
E foi precisamente o que a Promotora Eleitoral fez na origem.
Primeiramente, destaco os diálogos que o recorrente travou com uma munícipe – demonstrados por meio dos prints de tela do aplicativo de mensagens Whatsapp, juntados pela Promotoria -, comprometendo-se a enviar um motorista para pegar medicamentos no consultório médico. A mesma munícipe, posteriormente, conversa com o motorista, afirmando que estava acertado como recorrente que Derci (o motorista) iria pegar os medicamentos no Dr. Yuri depois das 14h.
Além disso, os áudios que foram encaminhados pela Sra. Marlecy Aparecida Vieira a Derci, bem como os áudios de Rodrigo afirmando a ela que a filha poderia deixar os remédios no consultório do Dr. Yuri, são reveladores.
Em outras palavras, esse elemento de prova demonstra que o recorrente ainda se valia do cargo que ocupava para, usando de seu poder administrativo, agir como se titular da pasta fosse.
Com efeito, ao atender um pedido de uma cidadã em pleno período que deveria estar afastado por completo de suas funções e do cargo, o recorrente quebrou a isonomia com os demais candidatos, que não tinham à sua disposição o poder que a máquina pública lhe confere, sobretudo numa área tão sensível e de forte apelo emocional como é o caso da Saúde.
Outra prova que considero contundente e que milita contra o recorrente é o seu comparecimento à Câmara de Vereadores, para dar explicações sobre a falta de medicamentos. Sua presença, revelada pela ata da reunião e pelos áudios igualmente juntados, demonstram de forma inconteste que não houve, no plano fático, o afastamento.
Ora, ao se pronunciar em evento público da municipalidade sobre questão que deveria ser esclarecida pela titular da Secretaria, o recorrente falou em nome da Administração Pública Municipal. É o que se extrai da seguinte manifestação:
“O nosso município fornece através da farmácia básica, porque nós não temos farmácia popular, a gente está batalhando, entrei numa batalha contra o Ministério da Saúde, com as farmácias aqui do município, a gente está aguardando uma resposta. Provavelmente, acredito que este ano, isso se organize.”
Pondero que ao usar a expressão “o nosso município fornece”, “entrei numa batalha com o Ministério da Saúde” e “a gentes está aguardando uma resposta”, o recorrente se coloca perante o eleitorado como gestor da área e representante administrativo local que promove interlocuções com o governo federal.
Em conclusão, o acervo probatório composto por imagens, áudios e documentos apresentados pelo Ministério Público Eleitoral demonstram que o recorrente participou de cerimônias oficiais e tomou decisões como se titular da Secretaria fosse, violando o princípio da paridade de armas entre os concorrentes e demonstrando que a desincompatibilização se operou apenas no plano formal.
E é esse desequilíbrio antecipado da disputa eleitoral pela ausência do afastamento de fato que justamente a norma pretende coibir, sobretudo em municípios de pequeno porte, como é o caso de Anita Garibaldi, que possui baixo número de eleitores (cerca de 7,5 mil, com comparecimento aproximado de 5,8 mil – dados de 2020).
Com essas considerações, divirjo respeitosamente do digno relator e voto pelo desprovimento do recurso para manter o indeferimento do seu registro de candidatura.
EXTRATO DE ATA
RECURSO ELEITORAL (11548) N. 0600275-23.2024.6.24.0052 – ANITA GARIBALDI – SANTA CATARINA
RELATOR DESIGNADO: JUIZ CARLOS ALBERTO CIVINSKI
RECORRENTE: RODRIGO GEHRKE
ADVOGADO: VINICIUS DEMARCHI JUVENCIO – OAB/SC44981
ADVOGADO: MARLON CHARLES BERTOL – OAB/SC10693-A
ADVOGADO: LUCAS PAGNO BORGES – OAB/SC56669
Decisão: Retomado o julgamento do processo, após a apresentação do voto-vista do Juiz Carlos Alberto Civinski no sentido de conhecer do recurso e a ele negar provimento, o Tribunal decidiu, à unanimidade, conhecer do recurso e, no mérito, por maioria – vencido o Relator e o Juiz Sergio Francisco Carlos Graziano Sobrinho -, a ele negar provimento, nos termos do voto do Relator designado, Juiz Carlos Alberto Civinski.
O Advogado Vinicius Demarchi Juvencio acompanhou o julgamento.
Participaram do julgamento os Juízes Maria do Rocio Luz Santa Ritta (Presidente), Carlos Alberto Civinski, Sebastião Ogê Muniz, Otávio José Minatto, Ítalo Augusto Mosimann, Adilor Danieli e Sérgio Francisco Carlos Graziano Sobrinho.
Presente o Procurador Regional Eleitoral Cláudio Valentim Cristani.
Processo julgado na sessão de 19/09/2024.